A avaliação de cargos ainda é relevante?

A avaliação de cargos ainda é relevante? Uma visão prática sobre modelos existentes, características e aplicação.

A resposta curta: sim — e com boas razões.
Apesar das transformações nas organizações, a avaliação de cargos continua sendo uma ferramenta central para dar coerência, equidade e transparência ao desenho de remunerações. O que mudou — e continuará mudando — são os modelos, a velocidade de atualização e a forma como combinamos avaliação com mercado, competências e estratégias de negócios.

Abaixo apresento um panorama prático: evolução dos sistemas de avaliação, características principais de cada abordagem, aplicações típicas nas empresas, limitações e recomendações para quem precisa decidir ou revisar seu modelo.

Evolução dos modelos de avaliação de cargos

  1. Ranking ou Escalonamento

    • Como funciona: ordena cargos do “mais ao menos importante” com base em julgamento global. Os cargos são hierarquizados com base na análise da descrição de cargos considerando objetivo, responsabilidades, especificações e valor/peso para a empresa.

    • Característica: simples e rápido.

    • Aplicação típica: organizações pequenas, quando há poucos cargos e pouco formalismo.

    • Limitação: subjetividade alta; difícil justificar remuneração objetiva se não for construído de forma adequada levando em consideração aspectos técnicos e com apoio de uma boa pesquisa de mercado.

  2. Classificação por graus pré-determinados

    • Como funciona: cargos agrupados em classes ou graus por similaridade de responsabilidades.

    • Característica: estrutura hierárquica clara; fácil implementação administrativa.

    • Aplicação típica: empresas maiores que precisam de organização por níveis.

    • Limitação: rigidez; pode não refletir diferenças de complexidade entre cargos semelhantes.

  3. Pontos (Point-Factor) — o clássico metodológico

    • Como funciona: define fatores (responsabilidade, conhecimento, impacto, complexidade, solução de problemas, autonomia, etc.), atribui pesos e pontua cada cargo. Soma gera “peso” do cargo.

    • Característica: transparente; defensável tecnicamente; possibilita comparações internas robustas.

    • Aplicação típica: organizações que buscam equidade interna e governança salarial.

    • Limitação: exige esforço técnico e manutenção; necessidade de calibrar pesos com a estratégia.

  4. Market pricing (precificação por mercado)

    • Como funciona: compara cargos com mercado (pesquisas salariais) e define faixas com base na competitividade externa.

    • Característica: orientado ao mercado; muito útil para recrutamento e retenção.

    • Aplicação típica: setores onde competição por talentos é intensa.

    • Limitação: pode ignorar equidade interna e diluir foco estratégico se usado isoladamente.

  5. Avaliação por competências e modelos híbridos

    • Como funciona: incorpora competências (comportamentais e técnicas) na definição do valor do cargo; frequentemente combinado com pontuação por fatores e market pricing.

    • Característica: conecta remuneração à capacidade de entrega e desenvolvimento humano.

    • Aplicação típica: empresas que valorizam desenvolvimento, mobilidade interna e programas de talentos.

    • Limitação: mensurar competências é mais subjetivo; exige governança de avaliação/ certificação de competências.

  6. Modelos ágeis e dinâmicos

    • Como funciona: revisões mais frequentes, integração de dados de mercado em tempo real, e uso de analytics para ajustar faixas e grades.

    • Característica: flexibilidade e velocidade de resposta a mudanças do mercado.

    • Aplicação típica: empresas digitais, startups em crescimento rápido.

    • Limitação: demanda tecnologia e dados confiáveis.

Quando usar cada abordagem — recomendações práticas

  • Empresas pequenas: comece por ranking ou grades simples, e adote market pricing para cargos críticos.

  • Empresas em crescimento: migre para point-factor ou modelo híbrido para equilibrar equidade interna e competitividade externa.

  • Grandes organizações: prefira métodos analíticos (Point-Factor) e combine com market pricing; mantenha governança forte.

  • Setores com alta rotatividade e competição por talentos: priorize market pricing e revisões mais frequentes.

  • Cultura orientada a competências: inclua componentes de competências na estrutura de pesos e aumente a integração com gestão de performance e desenvolvimento.

Benefícios de manter avaliação de cargos bem desenhada

  • Equidade interna: justifica diferenças salariais por responsabilidade e impacto.

  • Transparência: facilita comunicação com colaboradores e sindicatos.

  • Governança: suporta decisões consistentes em promoções, movimentações e ajustes.

  • Alinhamento estratégico: possibilita priorizar e valorizar papéis críticos para a estratégia.

Limitações e cuidados comuns

  • Desatualização: estruturas rígidas que não acompanham o mercado perdem relevância.

  • Excesso de tecnicidade: modelos muito complexos que ninguém entende geram resistência.

  • Foco isolado: avaliar cargos sem olhar mercado, valor relativo e perfil de competências cria desalinhamentos.

  • Viés na pontuação: se critérios não forem claros e avaliadores treinados, a subjetividade entra e cria desalinhamento dos cargos e salários.

Boas práticas para hoje

  1. Combine abordagens: equidade interna (point-factor) + competitividade de mercado (market pricing) + componente de competências.

  2. Governança clara: dono do processo, comitê de remuneração e política documentada.

  3. Comunicação transparente: explique lógica — não apenas números. Fale a “língua” do seu cliente interno, ele precisa entender de remuneração pois é quem faz a gestão do time.

  4. Uso de dados: pesquisas salariais confiáveis e people analytics para decisões baseadas em evidência.

  5. Simplicidade inteligente: suficiente rigor técnico para defesa, sem perder usabilidade operacional.

A avaliação de cargos não perdeu relevância — ela evoluiu. Hoje, ela deve ser mais flexível, orientada por dados e integrada com mercado, competências e estratégia do negócio. Empresas que entendem essa evolução conseguem equilibrar justiça interna e competitividade externa.